Como alguns
sabem, sou professora em uma escola e em um seminário e faço doutorado em
Teologia e em História Comparada e, por ‘outros alguns’, já fui várias vezes
chamada de doida por conta de gostar tanto de estudar um monte de coisas ao
mesmo tempo, de não ter muita vida social e por ter no corpo uma coleção de tendinites...
ossos não tão saudáveis do ofício de professor! A despeito do que dizem ou
pensam, eu amo as muitas coisas que faço.
O que
realmente amo é perceber como não podemos fazer Teologia sem Antropologia, isto
é, não podemos entender absolutamente nada a respeito de Deus – o totalmente
Outro e imensuravelmente maior do que nós – se não percebemos quem somos nós. Até
mesmo as categorias que utilizamos para o ‘corpo’ de Deus são humanas, senão
nunca conseguiríamos entender o sentido de várias passagens bíblicas: as
narinas, os olhos, a boca, as palmas das mãos, o estrado dos pés, o coração de
Deus e por aí se vai, cantamos ‘que os Seus olhos, sempre atentos, permanecem
em nós’.
Quanta presunção
de nossa parte dizer que conhecemos Deus! Um colega de minha turma de alemão me
fez essa pergunta no final da aula da semana passada pra eu responder de
supetão: “Você disse que estuda Teologia, né? Então me diga aqui uma coisa: você
conhece Deus?” Eu simplesmente dei uma gargalhada característica daquelas que
quem me conhece identifica de longe e acho que não vou conseguir responder em
Português, imagine em Alemão! Assim como a pergunta ficou no ar naquele fim de
tarde na correria pra pegar a condução de volta já prevendo o engarrafamento na
saída da ilha do Fundão, a resposta não virá no início da próxima aula. Que me
perdoem os doutores e doutorandos de plantão, cruéis com suas respostas
prontas, cheias de muletas – nomes e mais nomes de livros e de teóricos, também
estes de plantão. Eu não sei a resposta – simples assim.
Deus é alguém que,
tanto na Teologia quanto na História, se deixa conhecer. As grandes catedrais
não o contêm, tampouco os movimentos de Inquisição ou a incoerência da caça às
bruxas que primeiro condenou e depois canonizou, por exemplo, Joana D’Arc. No entanto,
a beleza e a nobreza de Deus estão contidas – falo como mulher e com palavras de
minha responsabilidade – no sorriso da criança, no amparo ao empobrecido, na
luta pelos direitos e pela dignidade humana, no soninho protegido do bebê, na
solidariedade a tanta gente que, todos os dias, perde tudo por incêndio, por
enchente, por seca, por furacão, por desigualdade social. Assim sim, Deus se dá
a conhecer na experiência da vida, no partilhar da História, seja esta Antiga,
Medieval, Moderna, Contemporânea ou Comparada, como eu estudo. A grande questão
é que eu e você só estamos aqui hoje, vivos, porque sempre existiu gente que
fez Deus conhecido em algum gesto de bondade. Gente que talvez nós condenaríamos,
gente que achamos – com nossos pré-conceitos – que não conhece Deus.
E hoje estamos
diante de um momento no tempo e no espaço muito estranho a cada um de nós. A tecnologia
alcançou dimensão tal a ponto de salvar muitas vidas, não obstante a ganância e
a intolerância de outras tantas vidas mata, a cada minuto, centenas também de
muitas vidas. Se considerarmos um olhar de julgamento ou uma palavra mal
colocada ao nosso próximo como arma letal de alto calibre, assim como considera
Jesus no Sermão do Monte (Mateus 5,21-22), o número de mortos aumenta
vertiginosamente para milhares de vidas. Será que Deus não está em nossa História?
Se Ele está e não consigo perceber a ponto de não ser o instrumento que vá
fazê-lo conhecido no caminho em que estou trilhando, de nada me adiantam minhas
tendinites, meu estudo, meu ofício. Se eu não amar – e fizer alguma coisa para
revelar Deus ao caminhante ao meu lado – serei como o sino que soa, mas nada
anuncia de bom, ou como o címbalo que retine, mas não leva o alívio de uma boa
música ao coração.
Que Deus faça
parte da nossa História, seja ela qual for – essa é minha oração de hoje.
No Deus que SEMPRE nos
aceita como somos e através de nós se dá a conhecer,
Lembro-me de sua aula (magnífica) a respeito do significado da expressão grega "Eu Sou", que nos ensinou muito sobre as características de Deus e como Ele atua na História. É maravilhoso perceber que, mesmo sendo tão grandioso e soberano, Ele se revela através das coisas simples da vida, assim como Jesus fazia nos encontros com as pessoas, mostrando que o evangelho se manifesta através dos relacionamentos.
ResponderExcluirMuito obrigada, Guilherme Diogo!
ExcluirSão palavras como essas tuas que fazem bem à vida e também revelam Deus!!