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quarta-feira, 24 de julho de 2013

‘Deus não é cristão’ (Desmond Tutu)

                “Vá com Deus!” – será que conseguimos nos lembrar de quantas vezes já dissemos esta frase tão auspiciosa aos nossos filhos, amigos, vizinhos ou a alguém que acabamos de conhecer no trem ou no ônibus quando deles nos despedimos? ‘Deus’ é tão natural em nossos pequenos agradecimentos – “graças a Deus!” –, desesperos – “ai, meu Deus!” e desejos ainda não cumpridos para daqui a pouco – “se Deus quiser!...”. Ele é substantivo próprio na morfologia e sujeito na sintaxe destas exclamações que fazem parte de nosso viver cotidiano, mas que na maioria das vezes não passam de um modo de falar de nosso eu situado[1] na sociedade em que vivemos, um costume herdado de família, como pedir a bênção aos mais velhos – este sim, coisa rara nos dias de hoje, diga-se de passagem.
                No entanto, e ironicamente, Deus como sujeito além da função sintática está bastante longe do mundo que se diz cristão na contemporaneidade. A proposta cristã de um Deus que se humanizou para que nós mesmos nos tornássemos humanos esvaiu-se e deu lugar a uma contraproposta que deificou o homem e o tornou incapaz de se incomodar com a dor do outro. É neste vácuo de sensibilidade que nos ‘emocionamos’ com os prêmios Nobel da Paz – pessoas que passam suas vidas amando as outras e que se destacam na multidão de nós que não amamos... descompasso e vergonha deveríamos sentir: afinal de contas, ser amante e pacificador é regra para ser gente, para viver em comunidade, é para todos, e não para alguns como se fossem modelos a se admirar e não a alcançar.
                Entre estes modelos, um se destaca: Desmond Tutu, arcebispo da igreja Anglicana e prêmio Nobel da Paz em 1984, por ter passado grande parte de sua vida lutando a favor da igualdade na África do Sul. Notoriamente cristão, Tutu, no livro Deus não é cristão e outras provocações[2], teve seus sermões compilados e seu exemplo de vida narrado pelo jornalista John Allen, também sul-africano, com a máxima de que Deus não é e nem pode ser monopólio da fé cristã, mas que está presente no gesto de qualquer um que se deixa humanizar por ele (por Deus)[3], independente da religião que siga – ou que não siga. Haverá algo mais próximo do exemplo de Cristo do que ser humano – ser gente! – em plenitude e por isso mesmo tão provocador...? Creio que precisamos pensar quão humanos quanto Jesus temos sido... Um bom começo seria a leitura de Filipenses 2,5-9 e da parábola do bom samaritano, em Lucas 10,25-37 para conversarmos...




[1] Michael J. Sandel (Liberalism and the Limits of Justice, 1982) aponta a questão do valor dos selves situados em uma comunidade e como este situar-se reflete nos próprios valores do individuo (self).
[2] TUTU, Desmond. Deus não é cristão e outras provocações. Trad. L. Jenkino. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2012, 234 p.
[3] Grifo nosso.