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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Deus na História?

Como alguns sabem, sou professora em uma escola e em um seminário e faço doutorado em Teologia e em História Comparada e, por ‘outros alguns’, já fui várias vezes chamada de doida por conta de gostar tanto de estudar um monte de coisas ao mesmo tempo, de não ter muita vida social e por ter no corpo uma coleção de tendinites... ossos não tão saudáveis do ofício de professor! A despeito do que dizem ou pensam, eu amo as muitas coisas que faço.
O que realmente amo é perceber como não podemos fazer Teologia sem Antropologia, isto é, não podemos entender absolutamente nada a respeito de Deus – o totalmente Outro e imensuravelmente maior do que nós – se não percebemos quem somos nós. Até mesmo as categorias que utilizamos para o ‘corpo’ de Deus são humanas, senão nunca conseguiríamos entender o sentido de várias passagens bíblicas: as narinas, os olhos, a boca, as palmas das mãos, o estrado dos pés, o coração de Deus e por aí se vai, cantamos ‘que os Seus olhos, sempre atentos, permanecem em nós’.
Quanta presunção de nossa parte dizer que conhecemos Deus! Um colega de minha turma de alemão me fez essa pergunta no final da aula da semana passada pra eu responder de supetão: “Você disse que estuda Teologia, né? Então me diga aqui uma coisa: você conhece Deus?” Eu simplesmente dei uma gargalhada característica daquelas que quem me conhece identifica de longe e acho que não vou conseguir responder em Português, imagine em Alemão! Assim como a pergunta ficou no ar naquele fim de tarde na correria pra pegar a condução de volta já prevendo o engarrafamento na saída da ilha do Fundão, a resposta não virá no início da próxima aula. Que me perdoem os doutores e doutorandos de plantão, cruéis com suas respostas prontas, cheias de muletas – nomes e mais nomes de livros e de teóricos, também estes de plantão. Eu não sei a resposta – simples assim.
Deus é alguém que, tanto na Teologia quanto na História, se deixa conhecer. As grandes catedrais não o contêm, tampouco os movimentos de Inquisição ou a incoerência da caça às bruxas que primeiro condenou e depois canonizou, por exemplo, Joana D’Arc. No entanto, a beleza e a nobreza de Deus estão contidas – falo como mulher e com palavras de minha responsabilidade – no sorriso da criança, no amparo ao empobrecido, na luta pelos direitos e pela dignidade humana, no soninho protegido do bebê, na solidariedade a tanta gente que, todos os dias, perde tudo por incêndio, por enchente, por seca, por furacão, por desigualdade social. Assim sim, Deus se dá a conhecer na experiência da vida, no partilhar da História, seja esta Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea ou Comparada, como eu estudo. A grande questão é que eu e você só estamos aqui hoje, vivos, porque sempre existiu gente que fez Deus conhecido em algum gesto de bondade. Gente que talvez nós condenaríamos, gente que achamos – com nossos pré-conceitos – que não conhece Deus.
E hoje estamos diante de um momento no tempo e no espaço muito estranho a cada um de nós. A tecnologia alcançou dimensão tal a ponto de salvar muitas vidas, não obstante a ganância e a intolerância de outras tantas vidas mata, a cada minuto, centenas também de muitas vidas. Se considerarmos um olhar de julgamento ou uma palavra mal colocada ao nosso próximo como arma letal de alto calibre, assim como considera Jesus no Sermão do Monte (Mateus 5,21-22), o número de mortos aumenta vertiginosamente para milhares de vidas. Será que Deus não está em nossa História? Se Ele está e não consigo perceber a ponto de não ser o instrumento que vá fazê-lo conhecido no caminho em que estou trilhando, de nada me adiantam minhas tendinites, meu estudo, meu ofício. Se eu não amar – e fizer alguma coisa para revelar Deus ao caminhante ao meu lado – serei como o sino que soa, mas nada anuncia de bom, ou como o címbalo que retine, mas não leva o alívio de uma boa música ao coração.
Que Deus faça parte da nossa História, seja ela qual for – essa é minha oração de hoje.


No Deus que SEMPRE nos aceita como somos e através de nós se dá a conhecer, 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Amor de eternidade...

Esta semana dois episódios me marcaram bastante acerca da força de uma frase bem feita e bem colocada. Unindo as duas aqui e contando a você, tenho pronto o título destas linhas que vamos começar a construir juntos – eu escrevendo, você lendo. E tomara que possamos, à moda de Umberto Eco, ter aqui uma espécie de ‘obra aberta’, ou seja, que o que eu escreva aqui possa ser discutido, entendido, questionado, ampliado, reescrito, aberto e reaberto em um novo texto, seja oral, seja escrito.


O primeiro fato ocorreu em minhas curtas andanças pelo feed do facebook, quando me deparei com a máxima: “O mundo precisa de loucos; loucos uns pelos outros!”. Apaixonei-me pela criatividade do autor, anônimo, e confesso que gostaria de ter escrito isso. Como estamos aqui para tentar uma, ainda que pequena, obra aberta, façamo-la a partir de então. Assim que li, na mesma hora me veio o texto de 1 João 4,20 à mente, que parafraseio aqui – ‘se alguém diz que ama a Deus, a quem não vê e não ama a seu irmão a quem vê, temos aí um grande mentiroso!’ Logo depois fiquei a imaginar que o evangelho é exatamente essa loucura da paixão de Deus pelo homem – um Deus louco por mim! E o sorriso instantâneo me vem aos lábios em pensar como é profundamente maravilhoso viver e sentir essa paixão do Deus que simplesmente é amor, este que a música popular interpreta muito bem – ‘amor que eu nunca vi igual... amor que não se pede, amor que não se mede, que não se repete, amor...!’

Nesta minha aventura musical, o segundo fato foi o verso de uma canção gospel extremamente poético: ‘Eu sou momento, Deus é eternidade’. Lá retornei eu ao facebook para compartilhar essas duas frases em relação de oposição e  que, sem discussão alguma, apontam juntas fragilidade e efemeridade, verdadeiramente minhas; grandeza e atemporalidade, grandiosamente, de Deus. Ele conhece a minha estrutura e sabe que eu sou pó. Ele conhece todo o universo e ultrapassa o espaço-tempo da física quântica para me dizer todo dia que sua misericórdia não tem fim ainda que eu seja só um momento. Fiz um adendo ao verso: ‘às vezes penso que sou milésimo de segundo’ diante desse ‘tempo divino’: o chamado ‘aoristo’ da gramática grega que eu e o tempo verbal da língua portuguesa não conseguimos alcançar, tampouco entender. Na verdade, o aoristo é um aspecto (e não um tempo!) verbal puro, que não tem início nem fim, não tem limitação temporal – e é ele usado para as ações eternas – como amar – do Deus Pai e de Jesus, o Filho, no Novo Testamento...

O tempo e o amor de Deus são algo que a gente nunca vai compreender. Isto é fato. É, no entanto, obra aberta em nosso coração e em nossa mente porque Ele se permitiu abrir, se permitiu ser lido e interpretado por nós, gente de carne e osso, limitados que somos. Definitivamente, Deus se permitiu habitar conosco e em nós apesar de nós. Isso é momento de eternidade. A única forma que me vêm à mente para encerrar (mas não fechar!) e criar a abertura necessária de nossa conversa hoje, é com música brasileira novamente, iluminada pelo sentimento de Deus por nós ao doar-se e desvelar-se em Jesus: ‘por ser exato, o amor não cabe em si; por ser encantado, o amor revela-se; por ser amor, invade e fim’.   


No Deus que ama eternamente,