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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A “não-crise” dos nossos dias...

             Nos anos noventa, exatamente em 1992, o Rev. Caio Fábio lançou um livro que ficou bastante conhecido: A Crise de Ser e de Ter. Quase todo mundo que frequentava alguma comunidade de fé tinha lido e falava sobre o assunto. Ouvi várias mensagens sobre o tema, que pipocava nas rodas de conversa da faculdade, já misturado com o consumismo e a  globalização, e a partir de teóricos não religiosos, mas filósofos, sociólogos, antropólogos e historiadores. O mote era falado todo o tempo – estamos em crise: tratamos as pessoas como coisas e as coisas como pessoas, isso precisa ser revertido! Necessariamente, o livro de Caio Fábio e os escritos que circulavam entre a juventude e a intelectualidade da época respondiam aos anseios de tentar mudar aquela situação.

                A questão é que a situação, para nossa tristeza, não mudou. A crise acabou e vivemos em um mundo de zumbis. Explico-me: segundo a cultura grega, “krisis” ou crise, é o que nos torna humanos, é o que nos faz lutar para viver, é o que nos impulsiona, é o que nos faz perguntar à vida e esperar dela respostas até a próxima pergunta. O hipócrita (hypokrités) é aquele que está abaixo (hypo) da crise (krités), isto é, é o ator de teatro, que usa máscaras, não se mostra verdadeiramente, não se expõe à crise, à vida. Se não existe crise, não existe vida humana. Tornamo-nos qualquer coisa que existe, mas não sabemos mais o que é viver. Infelizmente.


                Enquanto havia a crise de ser e de ter, ficávamos atentos para tratar as pessoas – o ser – como pessoas e as coisas – o ter – como coisas. Conseguíamos ver a diferença. Não éramos como aquele cego em quem Jesus tocou, mas que continuou vendo “homens como árvores” (Marcos 8,22-26). Enquanto havia a crise, aceitavam-se as diferenças entre as pessoas, os relacionamentos se mantinham e os aparelhos eram levados ao conserto. A crise movia a mola da vida e podíamos ver o por do sol junto aos amigos sem ter que saber o que eles tinham a oferecer a nós.
                Nas igrejas, as pessoas deixaram de amar a Deus e cantar louvores por aquilo que Ele é – o Maravilhoso Conselheiro, o Deus Forte, o Pai da Eternidade, o Príncipe da Paz (Isaías 9,6). Hoje se “ama” a Deus pelo carro zero, pela casa na praia, pela conta bancária, pelas cem vezes mais que Ele vai dar... o relacionamento com Deus virou barganha e idolatria. O mesmo ocorre com o tipo de “amizade” ou sei lá o quê que foi criado – não se “curte” mais o outro, “curte-se” o que o outro tem a oferecer: vantagens, conhecimento, dinheiro... definitivamente isso nem passa perto do que é amizade. Às vezes eu mesma me canso de um monte de gente que nem sabe meu nome direito, tampouco pergunta se estou bem, mas sabe os dois doutorados que eu curso e acha que sou uma consultoria ambulante pra dar todas as respostas de que necessitem.  
                Jesus percebeu que aquele cego precisava de outro toque para enxergar gente como gente e árvore como árvore. Teve compaixão dele e o tocou novamente. Ainda bem que o cego permitiu e passou a ver distintamente cada coisa. Ali ele passou a viver a crise e entendeu o que é a vida. Meu pedido hoje, caro leitor, é que possamos voltar à crise e entendamos que a vida não é uma sucessão de satisfações de tudo que queremos ter, mas é a satisfação interior de tudo que podemos ser.

Que o Deus que é sendo nos abençoe!

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Carpe diem!

Essa semana fui ao cinema participar pelo menos uma vez do Festival do Rio e, como de costume, chorei bicas durante a passagem dos créditos e das pessoas na minha frente que não têm o menor interesse em lê-los. Quase todas as vezes que me exponho à sétima arte, meu coração de manteiga derretida entra em ação, e já aprendi a conviver com a cara de espanto das pessoas na penumbra das salas de cinema.
O interessante é que alguma coisa acontece no meu coração, não no cruzamento mais famoso de São Paulo, cenário há quase dois meses de um grave problema brasileiro – a má distribuição de renda unida à falta de moradia nos grandes centros urbanos. Mas dessa vez, o filme a que assisti me mostrou que tudo à nossa volta é pedra que clama que devemos fazer da nossa vida alguma coisa que demonstre amor a essa gente tão sedenta de justiça e paz no terceiro milênio.

O filme tratava de uma fotógrafa impulsionada pelo desejo de, através de suas fotos, denunciar a maldade, a ganância e a intolerância crescente e latente ao redor do mundo. O sentimento dela por justiça feita àqueles a quem não conhecia, mas amava como gente, era tão belo e profundo, que deixava sua família em suspenso a fim de cumprir sua missão. Fiquei a pensar no que eu tenho feito através de minha profissão e do que tenho a oferecer para ajudar meu próximo... será que tenho deixado família e interesses próprios em favor do Reino de Deus? Tenho entendido o que Deus quer de mim nestes dias tão difíceis?
Dessa vez minhas lágrimas não ficaram no banco do cinema. Elas refrescaram meu rosto e minha mente na direção de fazer alguma coisa. E quero sempre ter a sensação de que tudo que faço ou farei não é nada comparado ao dom da vida – acordar e saber que mais uma vez o amor de Deus se manifestou em graça a cada um de nós, a fim de tornarmos mais um dia O dia! Dia de fazer uma criança sorrir, de ser gentil, de oferecer um café, de emprestar o ouvido, de ajudar a solucionar um problema, de preparar uma cesta básica, de dar um abraço grátis, de visitar o enfermo, o órfão, a viúva, o doído, de viver um evangelho sem palavra, mas recheado de ações...
É urgente o verso de Renato Russo, que certamente foi iluminado pelas palavras e pela consciência do evangelho de Jesus quando ele lia a Bíblia – ‘é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar...’ que a gente não pare, nem pense! Que a gente colha o dia (Carpe diem), aproveitando-o ao máximo, como nos ensinou o poeta latino Horácio (Odes I, 11.8). Que a gente corra e morra sabendo que nossa vida valeu não a pena, mas a confiança que Deus pôs em nossas mãos de sermos gente que ama, gente que tem a estranha mania de ter fé na vida!


No Deus que não se confina em templos,