“Vá com Deus!” – será que
conseguimos nos lembrar de quantas vezes já dissemos esta frase tão auspiciosa
aos nossos filhos, amigos, vizinhos ou a alguém que acabamos de conhecer no
trem ou no ônibus quando deles nos despedimos? ‘Deus’ é tão natural em nossos
pequenos agradecimentos – “graças a Deus!” –, desesperos – “ai, meu Deus!” e
desejos ainda não cumpridos para daqui a pouco – “se Deus quiser!...”. Ele é
substantivo próprio na morfologia e sujeito na sintaxe destas exclamações que
fazem parte de nosso viver cotidiano, mas que na maioria das vezes não passam
de um modo de falar de nosso eu situado[1] na
sociedade em que vivemos, um costume herdado de família, como pedir a bênção
aos mais velhos – este sim, coisa rara nos dias de hoje, diga-se de passagem.
No entanto, e ironicamente, Deus
como sujeito além da função sintática está bastante longe do mundo que se diz
cristão na contemporaneidade. A proposta cristã de um Deus que se humanizou
para que nós mesmos nos tornássemos humanos esvaiu-se e deu lugar a uma
contraproposta que deificou o homem e o tornou incapaz de se incomodar com a
dor do outro. É neste vácuo de sensibilidade que nos ‘emocionamos’ com os
prêmios Nobel da Paz – pessoas que passam
suas vidas amando as outras e que se destacam na multidão de nós que não
amamos... descompasso e vergonha deveríamos sentir: afinal de contas, ser
amante e pacificador é regra para ser gente, para viver em comunidade, é para
todos, e não para alguns como se fossem modelos a se admirar e não a alcançar.
Entre estes modelos, um se
destaca: Desmond Tutu, arcebispo da igreja Anglicana e prêmio Nobel da Paz em 1984, por ter passado
grande parte de sua vida lutando a favor da igualdade na África do Sul. Notoriamente
cristão, Tutu, no livro Deus não é
cristão e outras provocações[2], teve
seus sermões compilados e seu exemplo de vida narrado pelo jornalista John
Allen, também sul-africano, com a máxima de que Deus não é e nem pode ser
monopólio da fé cristã, mas que está
presente no gesto de qualquer um que se deixa humanizar por ele (por Deus)[3],
independente da religião que siga – ou que não siga. Haverá algo mais próximo
do exemplo de Cristo do que ser humano – ser gente! – em plenitude e por isso
mesmo tão provocador...? Creio que precisamos pensar quão humanos quanto Jesus temos
sido... Um bom começo seria a leitura de Filipenses 2,5-9 e da parábola do bom samaritano, em Lucas 10,25-37 para conversarmos...
[1] Michael
J. Sandel (Liberalism and the Limits of Justice, 1982) aponta a questão
do valor dos selves situados em uma
comunidade e como este situar-se reflete nos próprios valores do individuo (self).
[2] TUTU, Desmond. Deus
não é cristão e outras provocações. Trad. L. Jenkino. Rio de Janeiro: Thomas
Nelson Brasil, 2012, 234 p.
[3]
Grifo nosso.
Bela reflexão, Alessandra! Infelizmente, a igreja cristã na contemporaneidade, no afã de alcançar o mais alto nível de elevação espiritual (se é essa a expressão correta), se esquece do Cristo que se esvaziou de sua realeza para se tornam homem e deixar a lição de que Seu Reino é construído a partir do chão da existência.
ResponderExcluirMuito obrigada querido Handré! Vou lutando com o que posso e concordo plenamente contigo! Já me inspiraste para escrever mais!!!
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